QUEM TEM MEDO DO TEMPO? (DA MORTE?)
Homenagem póstuma a Clóvis Bartolomeu
Soares
Eis um
assunto que sempre me intrigou. Por que tememos a morte? O tema me chegou forte
na manhã de hoje, ao perceber que aquilo que concebemos como “tempo” trás, em
si, a morte. A cada instante fazemos escolhas que deixam outras pra trás. Por
outro lado, sentimo-nos impotentes diante das opções feitas por quem amamos. A morte que traz sofrimento, entretanto, é aquela
que nos deixa divididos entre seguir em frente e tentarmos reter o que é preciso soltar. A ela chamo de estagnação.
Por mais que resistamos à mudança, ela se faz independente
de nossa vontade. A morte física é a prova incontestável disso. Somos como
crianças que pedem freneticamente para repetir aquilo que lhes dá prazer: “de
novo! De novo”. Já me surpreendi, por
diversas vezes, reproduzindo momentos agradáveis através do recurso da memória.
Revivi os momentos de alegria, uma realização, uma superação. Ou então, sonho
acordada com o que quero que aconteça. Eles vêm especialmente quando não quero
enfrentar o agora.
Mesmo sem
termos consciência, morremos e renascemos a cada momento, a cada experiência
que passamos, a cada pessoa que entra na nossa vida e a cada uma que sai. Aqueles
com quem convivemos não são nem podem ser os mesmos de tempos atrás. É possível
que a sensação de segurança, de estabilidade que sentimos nas relações esteja
no fato de cristalizarmos uma imagem do companheiro ou do amigo, para não
olharmos as transformações neles acontecendo, para não enfrentarmos o desconhecido. Não queremos correr riscos.
Constatei
que muitas vezes faço das pessoas, dos afazeres, das instituições muletas, saltando
de um lugar a outro, de uma pessoa a outra, para ter em que me apegar, para não lidar com
a impermanência.
Se olharmos
para trás, vamos ver quantas coisas, situações, convivências, relacionamentos
que transitaram por nossas vidas ou que transitamos por elas e que não fazem mais
parte do nosso cotidiano. Temos a ilusão de que, por não convivermos, elas
não integram mais a nossa vida, daí,
talvez venha o apego, a obstinação de não soltar aquilo ou aquele que precisa
seguir o seu rumo, para que sigamos o nosso. Nem sempre temos consciência que fios
invisíveis continuam a nos conectar, em especial aqueles que vêm do coração.
A vida é
dinâmica, assim como a morte. Está em constante mutação. Vida e morte são faces
da mesma moeda, uma não existe sem a outra. É essa moeda que o barqueiro
precisa para fazer a travessia, de volta para nós mesmos, de volta ao lar, a
uma nova aventura, um novo desafio, uma nova perspectiva dessa grande interação
e integração cósmica do Ser.