domingo, 16 de setembro de 2012

QUEM TEM MEDO DO TEMPO? (DA MORTE?)



QUEM TEM MEDO DO TEMPO? (DA MORTE?)

                                                                 Homenagem póstuma a Clóvis Bartolomeu Soares
                                              
Eis um assunto que sempre me intrigou. Por que tememos a morte? O tema me chegou forte na manhã de hoje, ao perceber que aquilo que concebemos como “tempo” trás, em si, a morte. A cada instante fazemos escolhas que deixam outras pra trás. Por outro lado, sentimo-nos impotentes diante das opções feitas por quem amamos.  A morte que traz sofrimento, entretanto, é aquela que nos deixa divididos entre seguir em frente e tentarmos reter o que  é preciso soltar. A ela chamo de estagnação.

 Por mais que resistamos à mudança, ela se faz independente de nossa vontade. A morte física é a prova incontestável disso. Somos como crianças que pedem freneticamente para repetir aquilo que lhes dá prazer: “de novo! De novo”.  Já me surpreendi, por diversas vezes, reproduzindo momentos agradáveis através do recurso da memória. Revivi os momentos de alegria, uma realização, uma superação. Ou então, sonho acordada com o que quero que aconteça. Eles vêm especialmente quando não quero enfrentar o agora.

Mesmo sem termos consciência, morremos e renascemos a cada momento, a cada experiência que passamos, a cada pessoa que entra na nossa vida e a cada uma que sai. Aqueles com quem convivemos não são nem podem ser os mesmos de tempos atrás. É possível que a sensação de segurança, de estabilidade que sentimos nas relações esteja no fato de cristalizarmos uma imagem do companheiro ou do amigo, para não olharmos as transformações neles acontecendo, para não enfrentarmos  o desconhecido. Não queremos correr riscos.

Constatei que muitas vezes faço das pessoas, dos afazeres, das instituições muletas, saltando de um lugar a outro, de uma pessoa a outra,  para ter em que me apegar, para não lidar com a impermanência.

Se olharmos para trás, vamos ver quantas coisas, situações, convivências, relacionamentos que transitaram por nossas vidas ou que transitamos por elas e que não fazem mais parte do nosso cotidiano. Temos a ilusão de que, por não convivermos, elas não  integram mais a nossa vida, daí, talvez venha o apego, a obstinação de não soltar aquilo ou aquele que precisa seguir o seu rumo, para que sigamos o nosso. Nem sempre temos consciência que fios invisíveis continuam a nos conectar, em especial aqueles que vêm do coração.

A vida é dinâmica, assim como a morte. Está em constante mutação. Vida e morte são faces da mesma moeda, uma não existe sem a outra. É essa moeda que o barqueiro precisa para fazer a travessia, de volta para nós mesmos, de volta ao lar, a uma nova aventura, um novo desafio, uma nova perspectiva dessa grande interação e integração cósmica do Ser.



sábado, 25 de agosto de 2012

Relicário dos Homens Para Mulheres: 19.09.2012

terça-feira, 7 de agosto de 2012


RELICÁRIO DOS HOMENS - oficinas de vivências temáticas voltadas para a auto-descoberta, despertar da criatividade e sensibilidade.



relicariodoshomens1.blogspot.com; relicariodoshomens@hotmail.com



NUM TEMPO FORA DO TEMPO 
 
            O tempo é redondo. Tem a imagem do deslocamento da Terra sobre seu eixo. Dos ciclos da vida. Das estações do ano. Do embalar dos galhos ao impulso do vento. Do sopro da vida. Da respiração. Do pulsar do coração, da vibração das células, do vôo da águia, da dança da vida. Do contemplar do por do sol. Das piruetas da criança. Do caminhar lento ou apressado. Do chegar, do sair, do retorno. Do ir e vir. Do ficar. Do acordar e dormir. Do amanhecer e anoitecer.
Quanto tempo dura uma lembrança, um desejo, uma expectativa? Qual é o tempo da espera, da dor, da alegria? É possível limitar o tempo à matemática das horas, minutos e segundos?
A argamassa da vida é o tempo. É o barro que molda o agora. É a liga versátil e flexível que tudo cria. O tempo é a auto-perpetuação do movimento e movimento é vida. O tempo é vida em suas infinitas possibilidades. É feito da impermanência do instante. É fluido, volátil, efêmero. É memória e criação. O novo do velho renovado.
No tempo do “eu sou”, a tessetura do agora é feito com o fio do espanto, do encantamento, da contemplação, da  perplexidade.  Sombra e luz se entrelaçam, se eclipsam e se revelam,  razão e emoção encontram-se na plenitude de um feixe,   vibrações das idéias reverberam na renda da imaginação. Tudo é Uno. O tempo é amor.
O tempo é, sempre foi, sempre será o relicário coletivo das idéias, do sentir, do pensar. O elo que une o Ser e a experiência. Nesse repositório inesgotável, as possibilidades do existir aguardam a manifestação. A trajetória é individual em busca do manancial disponível a quem queira dele beber. Cada um de nós contribui em enriquecer a fonte com sua singularidade em estar no mundo.
O tempo é o fio que tece a história humana. Ele lapida o homem através das experiências, que seguem um padrão muito antigo, e que reverbera no agora. O passado e o futuro se encontram no presente. Construímos o tempo e o tempo nos constrói. O tempo revela nossa humanidade. A humanidade nos individualiza. Somos feito do coletivo e o coletivo é feito de cada um. A experiência é a manifestação do que somos: Amor.



terça-feira, 24 de julho de 2012


O Bordado da Vida
                                               Virgínia Leal Crisóstomo

Há muito, muito tempo atrás,
quando a voz não conhecia palavras,
a vida era um imenso jardim.
Fácil era entender o bailado das árvores,
o cheiro das flores
e a vibração das pedras.
Os raios de sol atravessavam as árvores
e aqueciam o corpo.
Os pássaros traziam imagens de lugares distantes.
O vento era uma canção ancestral
a lembrar quem somos.

Nesse tempo remoto,
quando só havia o agora,
a linguagem era do coração.
Éramos apenas um.
Um som na orquestra universal,
um gesto na dança dos elementos,
um olhar na construção das alegrias.

Não se sabe em que encruzilhada
nos afastamos desse lugar.
Sabe-se que a nostalgia criou o passado
e congelado ficou no inverno da alma.

Mas há aqueles que se demoram
ao sentir o cheiro de terra que a chuva exala,
ao ouvir o trovão em noites escuras,
ao contemplar a lua num céu de estrelas.
Eles continuam a colher o fio de voz
que irá  tecer suas histórias,
pois sabem que somos todos um ponto
arrematado no bordado da vida.

sábado, 16 de junho de 2012


Salgueiro

No recomeço de tudo
o sopro da vida pulsa
no escuro útero.

É a regressão do ser
a vestir-se de grão.

O broto em mutação
cava a passagem de ida
ao desconhecido instante
de orvalho e de sol
de vento e de lua

Fiel ao fio que o ancora
oferta à generosa chã
altaneira fronde
de folhas e frutos

À tormenta ceifadeira
inclina-se em reverência
e doa-lhe imoladas folhas
adubo de gérmen latente

Cada nó, cada gume
urde a preciosa trama
que forma a antiga morada
de todas as Eras


Par a Par
  
O equilíbrio entre dois na gangorra 
é não ficar do mesmo lado.
Não haveria diversão,
não fosse o impulso sincronizado,
às vezes desajeitado, a mover a gangorra.

Sem a alternância, um estaria isolado no topo
e o outro preso no chão.
E não desfrutariam do prazer de estarem
par a par, a eixo de cada oscilação.     
  

Folhas Soltas

No menear das águas
o que leva ao transe
é a alternância das vagas
e entre uma e outra, o repouso.
Pressinto o momento exato
da ascensão e declínio
a força, a direção, o sentido.

O que em ti me encanta
é esse mar agitado
às vezes contido
ondas que em mim reverberam
e em mim têm nascido
a alteridade da dança
e o intervalo que ancora
a investida e o recuo
a redução e o cimo

O que me leva ao transe
no fluxo das águas
que habitam em mim
é saber-me perene e farta
nas águas que há em ti.
E que que por certo advinhas
de onde virá a próxima vaga. 


O Décimo Signo

Regido por Capricórnio
é o leito e o curso do rio
da nau é o cais e o farol
da taipa, o barro e o esteio

Nativo do Décimo Signo
labuta de sol a sol
é o último dos retirantes 
da terra seca e rachada
que o vento eleva e dilui

É pedra bruta à espera
que as águas mornas de outubro
penetrem o solo sagrado
e em massapé transformado
revele os registros das Eras


Cornucópia

Antes de me encantar tinha asas
Disputava com as borboletas o néctar das flores

Sei de um vulto de capote preto a abeirar-se, 
puxar-me os pés.
Do minotauro à espreita de quem no labitrinto 
adentra.
Da imperatriz destronada a caminhar em círculos.
E as crianças a me distrair, o bastão a oscilar
ao som de risos infantis.

À bordo do berço, arrasta-me cada vez mais alto
e mais longe o vento.
Aflige-me os primeiros sinais da chegada da noite
Prostrada pelo debate, plano em suave declínio

Sei das montanhas, das árvores, do mar,
perco-me da civilização.
afasto-me do destino que penso ser meu.

Envolve-me jovem Deus enquanto deslizo
por translúcido tubo azul.
No solo me espera esquecido maná,
cornucópia plena de alimento.

O silêncio refaz o percurso.
Nada mais será como antes.


Decisão

Eu te amo por não desistires de ser tu,
quando quero que sejas eu
Porque o amor é meu, resolvi te dar,
e tu decidistes querer

Quando o Amor é Perene

Além, muito além dos gestos
eu te percebo
e nada me é estranho

Eu te percebo
no sinestésico pulsar
que exala da garganta
e tem cheiro de jasmim

Além dos cachos morenos
do vinco da testa
e da barba grisalha
onde te escondes

Como cortina ao vento
tu a mim te mostras
e vejo mais do que exibes

Adentro em teus mistérios
curiosa peregrina de ti
a desbravar a senda azul
que me leva aos segredos de mim

Além, muito além da íris
eu me pressinto
e tudo me é estranho


Murmúrio

Não tenho palavras, só a mente vazia, o peito oprimido, 
não gosto do que vejo, vejo o ventre dilatado, as marcas no rosto,
acordo em sobressalto, não sei de quê, 
quando não quero, lembro dos sonhos,
estou por um fio, até a vela não se sustenta,
a inércia dói, está chegando a hora, não sei de quê,
o fio soltou-se, então, em que me sustento?
caio, há tantas coisas a fazer, largo-me em frente à tv,
termina um programa, começa outro e mais outro,
olhos fixos nas imagens, até que cochilo, acordo,
vou ao banheiro, volto com lanche, deito de novo,
olho para o relógio, ainda é tão cedo, 
pra que pressa? o que espero? está tudo bem
e porque estou tão mal? não estou doente,
não briguei com ningúem, o que é então?
de onde vem essa aflição? medo do que?
de mim, do nada, nada faz sentido, nada tem valor
estou prostrada, o que estou fazendo aqui?
a cabeça dói, não sinto nada, não sinto nada, nada,
absolutamente nada, a não ser essa pressa
vontade de fugir, para onde me deixem em paz,
eu quero paz, o que é paz? será que ela existe? 
só eu sinto isso? será que vou ficar louca
ou louco é quem não sente isso?
já posso me deitar, não, não posso, a pia está cheia de pratos
e as plantas estão sem água
E se eu perder a hora? e se eu não acordar?
E se ninguém der por minha falta?  
Me deixe em paz, amanhã, amanhã eu vou,
amanhã eu vou, eu vou. 


Humores de Tigre 

O espelho antigo das águas
esconde o segredo das pedras
fragmentos de sonho
lembranças diáfanas
do fio perdido.

Humores de tigre
represa a sangrar
murmúrio que ecoa
à beira do precipício
em queda livre

Depois essa pressa
cotejo do enterro do dia
no azul das horas

A chama frágil em declínio
molda a crosta sobre o tempo


Charada

Seria a alma o espanto
o olhar para dentro, o descanso
a maestria, a quintessência, o transe
ruído de espectro errante
o anseio por asas
gregoriano canto?


Seria fragmento do cosmo
a glândula pituitária, o portal?
Eco de consciência na prova sensorial?
O instante de êxtase tridimensional?
Alento para certeza da morte rondar?
Ou a imortalidade plasmada por tanto indagar?


Onipotência e Fé
Como se faz para ter fé? perguntou minha filha. 
Fui tomada por grande vazio, enquanto observava seu olhar aflito.
Fé, confiança, entrega, aceitação, resignação, redenção, 
as palavras eram eco de um  murmúrio distante.
Senti-me impotente, vulnerável, em queda livre.
Eu, que nunca esperei acontecer, estava a ponto de desapontá-la.
Atordoada pela fé em mim depositada, silenciei. 
Pareceu uma eternidade a sensação do desconhecido.
Vi, então, os fragmentos de minhas experiências flutuarem na mente,
até formarem um grande mosaico.
As peças, de variadas formas, tamanhos e cores,
nenhuma desperdiçada, encaixadas umas às outras com perfeição.
Antes que a lucidez me fugisse, apressei-me em responder:
Não faça nada, minha filha, não faça nada!


De Algum Anel Azul

Aos gnomos, ondinas
salamandras e sílfides
Aos servos dos quatro elementos 
Às bruxas, magos e xamãs,
alquimistas das plantas sagradas
À ordem angelical,
às virgens e santos,
aos exus das encruzilhadas,
aos vários arautos de recados divinos
e de preces humanas
Aos orixás, deuses e heróis
das muitas fábulas e lendas,
aos atributos dos mitos
aos pretos velhos, caboclos e ciganos,
às remotas tradições
aos veneráveis arquétipos
da sabedoria ancestral.

Ouço o chamado de remotas memórias,
únissona voz, onírica evocação
de todos que há em mim.
e o retumbar do tambor
na locas espiraladas
de algum anel azul.