terça-feira, 6 de maio de 2008

Vital Corrêa de Araújo - O Poeta ao Avesso ( e averso)

Eis o aviso tardio: este é um poema para os não habituados, para os habituados, não é um poema.

Desavisada, abri o livro, supondo conhecido. Logo descobri que em tal poema não se adentra nas salas de espera. É preciso estar disponível, olhos atentos, sensores ligados.

A poesia viril de Vital é jovem, de paixão rebelde, em briga com os ancestrais e deles bebendo a fonte. Tem jeito de adolescente, em suas vestes ousadas, e penteado irreverente. É erudita loucura, que tira o véu enquanto o põe. Sem antídoto: como a vida ou realidade. Poeta ao avesso, busca o meio verso, o anverso/o averso absoluto, o inverso busca/o não verso, se pode. Pois precisa que as palavras reverberem-se/de encontro ao íntimo uma da outra – destranquem os segredos, gotejem-se – /desse roce intenso, do acasalamento do verbo nasça a tensão necessária, a usina nua da realidade. Atento à dualidade do ser, descobre que a eternidade não é tão perto como a porta:/dista uma milha de pérolas, uma vara de porcos. Sabe da utopia dos mitos, e que o herói dura o tempo da queda; que elabora/ o cume e a queda/ e ao cair/ erige o abismo.
De denúncia e confissão, apelo e deserção, de nojo e desejo é feito o poema de Vital Corrêa de Araújo. É lamento de blues, e agudeza de guitarra. É desconstrução de pergunta de criança nas certezas do adulto. É necessária oposição.

domingo, 4 de maio de 2008

Fogos de Artifício

Era noite de espuma e eu, desejo dissimulado, festejava. Na desarticulada euforia, meu peito roçou-lhe o braço. O frenesi confundiu-se com a urgência do champanhe, a pedir passagem.

Numa rua deserta, ele me guarda o alívio. Recomposta, ensaiei o retorno ao grupo, interrompido por desejado puxão. Ele em mim tatuado, eu estopim aceso.

Ávida, atravessei o portal de língua e saliva, entregue à correnteza de inflamáveis líquidos. O céu em chamas é testemunha.

Manto Azul

O sol adormece sobre o cansaço do dia.
Na penumbra das horas a vida repousa
enquanto as trevas cumprem seu destino.

No encontro da noite com o dia,
a lua recolhe os miasmas sinistros
que o sol em breve irá cremar.

As últimas lágrimas de orvalho
diluem-se sobre as folhas,
umedecem a terra,
acordam a semente.

E a brisa da aurora dispersa as nuvens
para dar passagem à manhã
a envolver de esperanças
com seu manto azul, o novo dia.

Vivendo no Terceiro Milênio

Falharam as previsões para o Terceiro Milênio. Nem o mundo dos Jetsons, ou a tecnologia da Odisséia no Espaço. Nenhuma perspectiva de solução para problemas básicos de sobrevivência como habitação, alimentação e saúde.

O progresso isolou o ser humano em edificações com luz e temperatura artificiais. O conforto gerou o sedentarismo, ao encurtar o tempo de deslocamento, ou até o dispensando. Roupa que deveria servir de proteção ao corpo tornou-se símbolo de status, atividade econômica ou grupo social, muitas delas inadequadas ao ambiente e ao clima. O alimento que deveria nutrir é fonte de doenças. A humanidade criou tantas necessidades, que não sabe mais o que é indispensável.

Continuamos depredando a natureza, poluindo o meio ambiente, fabricando doença. Novas bactérias e vírus fazem da medicina jogo de tentativas, erros e acertos. Vêem-se mentes sadias prisioneiras de corpos deteriorados e a inutilidade de corpos ainda vigorosos sem comando. Inacessíveis os remédios e tratamentos de última geração. Fracassamos na tentativa de atingir a plenitude física, intelectual e emocional.

A ciência não consegue prever ou controlar a fúria da natureza. A maioria de nós é incapaz de sobreviver a uma catástrofe, não sabe construir abrigo, tecer a roupa, plantar e preparar o alimento. Em plena era cibernética, o ser humano é fragmentado, vive exilado de si e do outro. Quem sabe tenha-se cumprido a profecia do final do mundo e ainda não acordamos do pesadelo em que ele se transformou?

Sou

Eu,
Rostos falidos
Esfinge de pedra
Templo das Eras
Só um reflexo

Sou.