domingo, 1 de junho de 2008
O Circo
São nove horas da manhã, aproximo-me do cruzamento para sair da via local, vejo um aglomerado de pessoas, à margem da rua. Duas mulheres, voltadas para fora do círculo formado, conversam animadamente. Dois homens e uma mulher, aparentando cerca de trinta anos, dirigem-se apressadamente ao grupo. Escalam, com jovialidade, uma elevação formada por pequena jardineira que adorna o centro comercial localizado na esquina. A mulher perde o equilíbrio quando um dos homens faz-lhe cócegas. Ela reage e dá tapinhas enquanto outro lhe belisca. Ainda sorrindo, volta-se para o grupo e faz sinal com as mãos, para que as pessoas à sua frente se afastem. Quando ia observar o objeto de curiosidade, fui atraída pela chegada de uma ambulância. No outro lado da rua, uma motocicleta caída. Confusa, concentrei minha atenção para o centro do aglomerado e pude ver um homem caído no chão. Por um momento, fiquei aliviada por ele estar inconsciente.
Bumerangue
Ao amigo e poeta Lúcio Ferreira
Quando prendo, perco
Ao perder, procuro
E, buscando, encontro
No encontro, solto
E, soltando, volta
No retorno, vejo
O que vejo, escapa
Observo e integro
O que integro, amo
E o amor liberta
Quando prendo, perco
Ao perder, procuro
E, buscando, encontro
No encontro, solto
E, soltando, volta
No retorno, vejo
O que vejo, escapa
Observo e integro
O que integro, amo
E o amor liberta
terça-feira, 6 de maio de 2008
Vital Corrêa de Araújo - O Poeta ao Avesso ( e averso)
Eis o aviso tardio: este é um poema para os não habituados, para os habituados, não é um poema.
Desavisada, abri o livro, supondo conhecido. Logo descobri que em tal poema não se adentra nas salas de espera. É preciso estar disponível, olhos atentos, sensores ligados.
A poesia viril de Vital é jovem, de paixão rebelde, em briga com os ancestrais e deles bebendo a fonte. Tem jeito de adolescente, em suas vestes ousadas, e penteado irreverente. É erudita loucura, que tira o véu enquanto o põe. Sem antídoto: como a vida ou realidade. Poeta ao avesso, busca o meio verso, o anverso/o averso absoluto, o inverso busca/o não verso, se pode. Pois precisa que as palavras reverberem-se/de encontro ao íntimo uma da outra – destranquem os segredos, gotejem-se – /desse roce intenso, do acasalamento do verbo nasça a tensão necessária, a usina nua da realidade. Atento à dualidade do ser, descobre que a eternidade não é tão perto como a porta:/dista uma milha de pérolas, uma vara de porcos. Sabe da utopia dos mitos, e que o herói dura o tempo da queda; que elabora/ o cume e a queda/ e ao cair/ erige o abismo.
De denúncia e confissão, apelo e deserção, de nojo e desejo é feito o poema de Vital Corrêa de Araújo. É lamento de blues, e agudeza de guitarra. É desconstrução de pergunta de criança nas certezas do adulto. É necessária oposição.
Desavisada, abri o livro, supondo conhecido. Logo descobri que em tal poema não se adentra nas salas de espera. É preciso estar disponível, olhos atentos, sensores ligados.
A poesia viril de Vital é jovem, de paixão rebelde, em briga com os ancestrais e deles bebendo a fonte. Tem jeito de adolescente, em suas vestes ousadas, e penteado irreverente. É erudita loucura, que tira o véu enquanto o põe. Sem antídoto: como a vida ou realidade. Poeta ao avesso, busca o meio verso, o anverso/o averso absoluto, o inverso busca/o não verso, se pode. Pois precisa que as palavras reverberem-se/de encontro ao íntimo uma da outra – destranquem os segredos, gotejem-se – /desse roce intenso, do acasalamento do verbo nasça a tensão necessária, a usina nua da realidade. Atento à dualidade do ser, descobre que a eternidade não é tão perto como a porta:/dista uma milha de pérolas, uma vara de porcos. Sabe da utopia dos mitos, e que o herói dura o tempo da queda; que elabora/ o cume e a queda/ e ao cair/ erige o abismo.
De denúncia e confissão, apelo e deserção, de nojo e desejo é feito o poema de Vital Corrêa de Araújo. É lamento de blues, e agudeza de guitarra. É desconstrução de pergunta de criança nas certezas do adulto. É necessária oposição.
domingo, 4 de maio de 2008
Fogos de Artifício
Era noite de espuma e eu, desejo dissimulado, festejava. Na desarticulada euforia, meu peito roçou-lhe o braço. O frenesi confundiu-se com a urgência do champanhe, a pedir passagem.
Numa rua deserta, ele me guarda o alívio. Recomposta, ensaiei o retorno ao grupo, interrompido por desejado puxão. Ele em mim tatuado, eu estopim aceso.
Ávida, atravessei o portal de língua e saliva, entregue à correnteza de inflamáveis líquidos. O céu em chamas é testemunha.
Numa rua deserta, ele me guarda o alívio. Recomposta, ensaiei o retorno ao grupo, interrompido por desejado puxão. Ele em mim tatuado, eu estopim aceso.
Ávida, atravessei o portal de língua e saliva, entregue à correnteza de inflamáveis líquidos. O céu em chamas é testemunha.
Manto Azul
O sol adormece sobre o cansaço do dia.
Na penumbra das horas a vida repousa
enquanto as trevas cumprem seu destino.
No encontro da noite com o dia,
a lua recolhe os miasmas sinistros
que o sol em breve irá cremar.
As últimas lágrimas de orvalho
diluem-se sobre as folhas,
umedecem a terra,
acordam a semente.
E a brisa da aurora dispersa as nuvens
para dar passagem à manhã
a envolver de esperanças
com seu manto azul, o novo dia.
Na penumbra das horas a vida repousa
enquanto as trevas cumprem seu destino.
No encontro da noite com o dia,
a lua recolhe os miasmas sinistros
que o sol em breve irá cremar.
As últimas lágrimas de orvalho
diluem-se sobre as folhas,
umedecem a terra,
acordam a semente.
E a brisa da aurora dispersa as nuvens
para dar passagem à manhã
a envolver de esperanças
com seu manto azul, o novo dia.
Vivendo no Terceiro Milênio
Falharam as previsões para o Terceiro Milênio. Nem o mundo dos Jetsons, ou a tecnologia da Odisséia no Espaço. Nenhuma perspectiva de solução para problemas básicos de sobrevivência como habitação, alimentação e saúde.
O progresso isolou o ser humano em edificações com luz e temperatura artificiais. O conforto gerou o sedentarismo, ao encurtar o tempo de deslocamento, ou até o dispensando. Roupa que deveria servir de proteção ao corpo tornou-se símbolo de status, atividade econômica ou grupo social, muitas delas inadequadas ao ambiente e ao clima. O alimento que deveria nutrir é fonte de doenças. A humanidade criou tantas necessidades, que não sabe mais o que é indispensável.
Continuamos depredando a natureza, poluindo o meio ambiente, fabricando doença. Novas bactérias e vírus fazem da medicina jogo de tentativas, erros e acertos. Vêem-se mentes sadias prisioneiras de corpos deteriorados e a inutilidade de corpos ainda vigorosos sem comando. Inacessíveis os remédios e tratamentos de última geração. Fracassamos na tentativa de atingir a plenitude física, intelectual e emocional.
A ciência não consegue prever ou controlar a fúria da natureza. A maioria de nós é incapaz de sobreviver a uma catástrofe, não sabe construir abrigo, tecer a roupa, plantar e preparar o alimento. Em plena era cibernética, o ser humano é fragmentado, vive exilado de si e do outro. Quem sabe tenha-se cumprido a profecia do final do mundo e ainda não acordamos do pesadelo em que ele se transformou?
O progresso isolou o ser humano em edificações com luz e temperatura artificiais. O conforto gerou o sedentarismo, ao encurtar o tempo de deslocamento, ou até o dispensando. Roupa que deveria servir de proteção ao corpo tornou-se símbolo de status, atividade econômica ou grupo social, muitas delas inadequadas ao ambiente e ao clima. O alimento que deveria nutrir é fonte de doenças. A humanidade criou tantas necessidades, que não sabe mais o que é indispensável.
Continuamos depredando a natureza, poluindo o meio ambiente, fabricando doença. Novas bactérias e vírus fazem da medicina jogo de tentativas, erros e acertos. Vêem-se mentes sadias prisioneiras de corpos deteriorados e a inutilidade de corpos ainda vigorosos sem comando. Inacessíveis os remédios e tratamentos de última geração. Fracassamos na tentativa de atingir a plenitude física, intelectual e emocional.
A ciência não consegue prever ou controlar a fúria da natureza. A maioria de nós é incapaz de sobreviver a uma catástrofe, não sabe construir abrigo, tecer a roupa, plantar e preparar o alimento. Em plena era cibernética, o ser humano é fragmentado, vive exilado de si e do outro. Quem sabe tenha-se cumprido a profecia do final do mundo e ainda não acordamos do pesadelo em que ele se transformou?
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